sexta-feira, 6 de janeiro de 2017

Elogio da Morte


Não sei quem foi que disse que a Vida é feita pela Morte. É a destruição contínua e perene que faz a vida.

A esse respeito, porém, eu quero crer que a Morte mereça maiores encômios. É ela que faz todas as consolações das nossas desgraças; é dela que nós esperamos a nossa redenção; é ela a quem todos os infelizes pedem socorro e esquecimento.

Gosto da Morte porque ela é o aniquilamento de todos nós; gosto da Morte porque ela nos sagra. Em vida, todos nós só somos conhecidos pela calúnia e maledicência, mas, depois que Ela nos leva, nós somos conhecidos (a repetição é a melhor figura de retórica), pelas nossas boas qualidades.

É inútil estar vivendo, para ser dependente dos outros; é inútil estar vivendo para sofrer os vexames que não merecemos. A vida não pode ser uma dor, uma humilhação de contínuos e burocratas idiotas; a vida deve ser uma vitória. Quando, porém, não se pode conseguir isso, a Morte é que deve vir em nosso socorro.

A covardia mental e moral do Brasil não permite movimentos. de independência; ela só quer acompanhadores de procissão, que só visam lucros ou salários nós pareceres. Não há, entre nós, campo para as grandes batalhas de espírito e inteligência. Tudo aqui é feito com o dinheiro e os títulos. A agitação de uma idéia não repercute na massa e quando esta sabe que se trata de contrariar uma pessoa poderosa, trata o agitador de louco.

Estou cansado de dizer que os malucos foram os reformadores do mundo. Le Bon dizia isto a propósito de Maomé, nas suas Civilisation des arabes, com toda a razão; e não há chanceler falsificado e secretária catita que o possa contestar. São eles os heróis; são eles os reformadores; são eles os iludidos; são eles que trazem as grandes idéias, para melhoria das condições da existência da nossa triste Humanidade.

quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

Ato



Penso: vivo e atento.
A calma, amante viva,
Meu vil tormento.

Acalma minh’alma
A musa nua, o falo rijo,
A pele escura.

A dor prometida,
A brasa dormida e
O gosto da lama

Seminal.

terça-feira, 20 de dezembro de 2016

O Inferno Lírico de Badou Sarcass XI






Não me cobrem versos cálidos ou
Palavras suaves sobre uma vida feliz.
Eu não posso! Eu chafurdo na lama,
Na poeira que me faz humano, no sopro
Do nada que constrói meu ser.
Há muitos que cantam o pôr-do-sol,
É preciso que alguém cante o chão.
Não quero colecionar sorrisos imbecis
Para mostrar o quanto valho.
Não esperem um hálito fresco
Desta boca que cheira a merda.

sábado, 10 de dezembro de 2016

TORRENT - O SÉTIMO SELO: uma confissão com a Morte


ANTONIUS BLOCK: Eu quero confessar o melhor que eu posso...Mas meu coração é vazio. O vazio é um espelho. Eu vejo meu rosto... E sinto delírio e horror. Minha indiferença aos homens fechou-me totalmente. Eu vivo agora em um mundo de fantasmas... um prisioneiro em meus sonhos.
MORTE: Ainda assim, você não quer morrer.
ANTONIUS BLOCK:  Sim, eu quero.
MORTE: O que você está esperando?
ANTONIUS BLOCK: Conhecimento.
MORTE: Você quer uma garantia.
ANTONIUS BLOCK: Chame o que você quiser. É tão difícil conceber Deus com os sensos de uma pessoa? Porque ele tem de se esconder numa neblina de vagas promessas e milagres invisíveis? Como iremos acreditar nos que acreditam quando não acreditamos em nós mesmos? O que será de nós que queremos acreditar, mas não podemos? E quanto àqueles Que não podem ou não irão acreditar? Porque não posso matar Deus dentro de mim? Porque ele vai vivendo em um sofrido e humilhado jeito? Eu quero tirá-lo do meu coração... Mas ele ainda continua uma realidade assustadora que eu não posso me livrar. Está me ouvindo?
MORTE: Estou te ouvindo.

ANTONIUS BLOCK: Eu quero conhecimento. Não crença. Não suposições. Mas conhecimento. Eu quero que Deus ponha sua mão, mostre seu rosto, fale comigo.
MORTE: Mas ele é mudo.
ANTONIUS BLOCK: Eu choro para ele no escuro, mas parece não ter ninguém lá.
MORTE: Talvez não tenha ninguém lá.
ANTONIUS BLOCK: Então a vida é um terror sem sentido. Nenhum homem pode viver como a Morte e saber que tudo é nada.
MORTE: A maioria das pessoas não pensa nem na morte ou no nada.
ANTONIUS BLOCK: Até que eles chegam ao final da vida e veem a escuridão.
MORTE: Ah, esse dia.
ANTONIUS BLOCK: Eu percebo. Devemos fazer de nosso medo, um ídolo... e chamá-lo de Deus.
MORTE: Você não é fácil.
ANTONIUS BLOCK: A Morte me visitou essa manhã. Estamos jogando xadrez. Esse adiamento me permite fazer uma tarefa vital.
MORTE: Que tarefa?
ANTONIUS BLOCK: Minha vida inteira tem sido uma procura sem significado. Digo isso sem amargura ou auto condenação. Eu sei que é o mesmo para todos. Mas eu quero usar meu adiamento para uma ação significante.
MORTE: Então você joga xadrez com a morte?
ANTONIUS BLOCK: Ele é um tático bem habilidoso mas ainda não perdi uma peça.
MORTE: Como você pode ganhar da morte?
ANTONIUS BLOCK: Com uma combinação de bispos e cavalos. Irei quebrar seu flanco.
[A morte até então de costas, se volta]
MORTE: Eu devo me lembrar disso.
ANTONIUS BLOCK: Traidor! Você me trapaceou! Mas vou arranjar um jeito.
MORTE: Continuaremos nosso jogo nos dormitórios.
ANTONIUS BLOCK: Essa é minha mão. Eu posso movê-la. O sangue está pulsando em minhas veias. O Sol ainda está em seu apogeu e eu, Antonius Block, estou jogando xadrez com a Morte!

Confira o vídeo da confissão!
Quer assistir o filme? Eis aqui o Torrent

terça-feira, 6 de dezembro de 2016

A obra prima de Mussorgsky



Quadros de uma exposição (1873) de Modest Mussorgsky, com a orquestra filarmônica de Viena sob a regência do grande maestro Gustavo Dudamel. Uma dos grandes registros  dessa obra tão importante da música moderna. 

Segundo Otto Maria Carpeaux "são peças poéticas, realistas, humorísticas ou patéticas, de linhas melódicas originalíssimas, ritmos irresistíveis, modos estranhos como saídos da memória atávica da gente russa". 

Vale lembrar que os "Quadros de uma exposição" foram compostos inicialmente para piano. Só muito mais tarde o compositor Maurice Ravel fez a orquestração da peça.


Enjoy it!



segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

O Infinito atomístico

... O defeito que vemos, em algo que é, é o resultado de que esse algo não é tudo o que é. Deus é ainda mais real do que o homem; até mais real que a matéria; pois Deus, com todos os seus poderes, em todos os instantes, é imortalidade em ação.
"Santo Tomás de Aquíno", G. K. Chesterton; pag 150

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

O adeus de Oliver Sacks


Nunca fui um admirador do inglês Oliver Sacks, mas confesso que fiquei comovido ao ler seu texto de despedida publicado no New York Times. Os moribundos são, em geral, de uma sinceridade desconcertante. Sacks relembra Hume e fala com sobriedade e nobreza sobre a própria morte. Eis um homem.

sábado, 31 de janeiro de 2015

Balzac I





Bem, propus a mim mesmo ler de cabo a rabo "A Comédia Humana", de Balzac. Ao longo da leitura, com a facilidade que o kindle traz, estou selecionando alguns bons trechos de cada romance. Eis alguns:

"... a admiração é sempre uma fadiga para a espécie humana."

O BAILE DE SCEAUX

"... a felicidade conjugal não se alicerça tanto sobre qualidades brilhantes e fortuna quanto sobre uma estima recíproca."

O BAILE DE SCEAUX


sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

É Proibido Proibir



Por Mario Vargas Llosa





Já faz alguns anos vi em Paris, na televisão francesa, um documentário que ficou gravado em minha memória; de vez em quando os acontecimentos cotidianos atualizam suas imagens e lhes conferem estrondosa vigência, sobretudo quando se fala do problema cultural maior de nossos dias: a educação. 

sábado, 27 de setembro de 2014

Eu cantarei






Fernando Pessoa (Álvaro de Campos)


I


Eu cantarei,
Quando a manhã abrir as portas do meu esforço,
Eu cantarei,
Quando o alto-dia me fizer fechar os olhos,
Eu cantarei,
Quando o crepúsculo limar as arestas,
Eu cantarei,
Quando a noite entrar como a Imperatriz vencida
Eu cantarei a Tua Glória e o meu desígnio.
Eu cantarei
E nas estradas ladeadas por abetos,
Nas áleas dos jardins emaranhados,
Nas esquinas das ruas, nos pátios
Das casas-de-guarda,
A Tua Vitória entrará como um som de clarim
E o meu Desígnio espera-la-á sem segundo pensamento.

domingo, 8 de junho de 2014

Degradação da vida e da morte



Por Nelson Rodrigues

1. Certa vez, numa de minhas “Confissões”, escrevi, por outras palavras, o seguinte: – “Na hipótese de uma guerra nuclear, acho que perderia pouco, muito pouco”. Eu disso isso e não sei, até hoje, se me arrependo de o ter dito. De vez em quando, fico a pensar no fim do mundo. imaginemos: – não há mais vida humana, foi raspado, com palha de aço, todo e qualquer vestígio de vida humana. Não sobrou nem mesmo uma folha de alface, ou de avenca, ou de couve. Não mais nada, nem micróbios. Não existiriam nem mesmo as estrelas, porque ninguém viveria para vê-las.

sábado, 8 de março de 2014

Um ano depois da morte de Chávez, a cubanização forçada da Venezuela


Qual é o legado de Hugo Chávez? Ao fim e ao cabo, governou ao seu capricho durante catorze anos (1999-2013). O  mais longo governo da história da Venezuela, à exceção de Juan Vicente Gómez (1908-1935), outro militar de mão de ferro que morreu no comando. Digamos rapidamente: a herança que Chávez deixou a seus atribulados compatriotas foi a cubanização da Venezuela.

terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

O Critério Idiota

O que está havendo com o mundo? Ao invés de julgarmos as pessoas por seus méritos, estamos julgando pelo seu nível de “coitadisse”: quanto mais o sujeito é um “coitado” mais ele parece ser digno de todas as honras. Não há nenhuma grandeza em ser miserável, como muitos parecem acreditar. Vale lembrar o trecho de Bertolt Brecht:

“Não há sentido na nossa miséria; fome não é prova de fortaleza, é apenas não ter comido!... Esforço não é vergar as
costas e arrastar, não é mérito!...
A miséria não é condição das virtudes, meus amigos!... E não me venham com a beleza das riquezas que fomos capazes
de produzir!...
Se a nossa gente fosse abastada e feliz, aprenderia as virtudes da abastança e da felicidade. Mas hoje, as virtudes dos
pobres nascem... da pobreza!
Eu abomino isso! Sim, abomino! Ou vocês querem que eu minta a nossa gente?”

Pena que as esquerdas de nossos dias tenham descoberto muitas “virtudes” na miséria e façam de tudo para mantê-la e até para elevá-la à categoria de critério último de julgamento. Esse critério ainda nos levará a afirmar que qualquer garoto que batuque um tambor é mais importante que Beethoven.

sábado, 8 de fevereiro de 2014

Bakunin contra Marx



“(...)  os marxistas dizem que esta minoria será formada por trabalhadores. Sem dúvida se tratará de antigos trabalhadores que, uma vez que se convertam em governantes ou representantes do povo, deixam de ser trabalhadores e começam a olhar com desdém para a classe trabalhadora desde o ponto de vista da autoridade de estado, pois representam não o povo, mas sim a eles mesmos e seu próprio desejo de governar os demais. Qualquer um que duvide disso não sabe nada da natureza humana... Os termos “socialista científico” e “socialismo científico”, que  encontramos incessantemente na obra de lassalianos e marxistas, bastam para provar que o denominado governo do povo não será mais que um despotismo sobre as massas, exercido por uma nova e pequena aristocracia de reais ou falsos “cientistas”. O povo, inculto, estará completamente isento da tarefa de governar e se verá forçado a formar parte do rebanho dos governados. Pequena emancipação!... Eles (os marxistas) pensam que só uma ditadura, a sua por suposto, pode trazer a liberdade ao povo;  nós respondemos que uma ditadura no pode ter outro fim que perpetuar-se a si mesma, e que não pode engendrar nada além de escravidão no povo a ela submetido. A liberdade só pode criar-se a partir da liberdade, ou seja, a partir de todo o povo e pela livre organização das massas trabalhadoras desde baixo”. ( Bakunin, Estatismo y anarquia. Citado por  Leszek Kolakowski em Las principales corrientes del marxismo. Tradução de Badou Sarcass)

quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Toda nudez será castigada




Prostituta e/ou santa? É a pergunta a ser feita em relação a personagem Geni da famosa peça "Toda Nudez Será Castigada", escrita por Nelson Rodrigues em 1965.

Já havia lido a peça e assistido ao filme homônimo feito por Arnaldo Jabor em 1973, mas confesso que a montagem da Cia. Arlecchino dirigida por Kalluh Araújo impressionou-me profundamente. As atuação brilhantes de Cléo Carmona (Geni) e Paulo Rezende (Patrício) dão um sabor especial ao espetáculo.

A peça mostra o drama de Herculano, um viúvo que, tendo prometido ao filho nunca mais se envolver com uma mulher após a morte da esposa, acaba se apaixonando pela prostituta Geni, graças as artimanhas de seu cínico irmão Patrício. O tom dramático da peça gira em torno do problema do sexo como força avassaladora capaz de destruir a ordem instaurada. Ao mesmo tempo, é também o que redime o ser humano. Geni, personagem que lembra muito a Sônia (prostituta de “Crime e Castigo” de Dostoiévski, livro que Nelson admirava muito), é aquela que arruína e redime o destino de todos os outros personagens: Herculano, As três tias (que, como Moiras, buscam tecer o destino dos sobrinhos) e o jovem Serginho. O único que passa aparentemente imune a qualquer transformação é o irmão de Herculano, Patrício, o niilista da peça, o personagem para o qual não existe salvação.

O cenário da peça merece uma atenção especial: três cilindros de metal que, quando girados, revelam cada um dos ambientes da peça. A trilha sonora vai da Ave Maria de Schubert a Waldick Soriano. Em um momento da peça as três tias cantam juntas “O Fortuna”, trecho de Carmina Burana de Carl Orff, o que fortalece a analogia com as mitológicas Moiras.

Em certo trecho de “Crime e Castigo”, Raskólnikov se ajoelha aos pés da prostituta Sônia e, ao ser indagado por ela acerca daquela ação, responde Raskólnikov: “Eu não me ajoelhei diante de ti, mas diante de toda a dor humana”. Impossível não recordar tal cena quando, ao fim da peça, Geni aparece crucificada, como um novo Cristo, “qui tollit peccata mundi”. A peça possui uma força rara de se ver no teatro brasileiro atual. Vale a pena assistir.

terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Ninfomaníaca, ou o sexo como inferno




Assisti no último do domingo ao novo filme do diretor dinamarquês Lars von Trier, "Ninfomaníaca". Trata-se de um excelente filme. É um dos únicos dois filmes que conheço (o outro é "Shame", de Steve McQueen) que trata o sexo não como uma panaceia redentora e sim como o INFERNO que ele é.

No filme, Joe (personagem vivida por Charlotte Gainsbourg), uma ninfomaníaca que vive a consciência de sua tragédia, conta sua história para um velho que lhe oferece ajuda. Ela, mesmo de uma perspectiva "não-religiosa", insiste em considerar-se uma pecadora; uma pessoa má. Conta suas "aventuras": a amizade com pai; os amantes; as feridas que provocou. Sempre com a consciência do "vício" e da impossibilidade de lutar contra a vontade cega que lhe tirava qualquer possibilidade de controle. 

Impossível não relacionar a personagem principal do filme aos personagens esmagados pelo vício e pela culpa que aparecem nos romances de Dostoiévski. Impossível não lembrar de Marmeládov e seu alcoolismo suicida. 

Ao contrário do que pensam alguns progressistas, o sexo não liberta, mas sim escraviza e, no extremo, desumaniza. 


quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Os marxistas sebentos e os ricos fedorentos I



Se quiséssemos delimitar num campo linear, muito simples e primário, os dois grupos que são a causa da intranquilidade social dos países livres ainda retardados em seu progresso, diríamos que, de um lado, estão os ricos fedorentos e, do outro, os marxistas sebentos.

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

PEC de cu é rola


Uma visão muito bem humorada das "jornadas de junho", por Paulo Bono do blog Espalitando Dente



Foi tudo muito rápido. Eu estava em casa com o peito cheio de dor e gases. Estrangulava a tarde com bobagens na internet enquanto aguardava por um maldito arroto. Foi quando vi esse vídeo do Pelé dizendo para esquecermos as manifestações e apoiarmos o time do Felipão. Só mesmo a Xuxa para dar a buceta a um cara desses. De alguma forma, aquele vídeo me fez mal. Então peguei o telefone, liguei pro Guismo e disse – “Tô dentro”. Bati a porta e desci a rua. Passei num desses armarinhos coloridos e pedi uma cartolina e uma caneta Piloto. Escrevi a frase enquanto a putinha do balcão observava suas unhas. “Só se fala nesse protesto” – ela disse – “mas é contra o quê mesmo?”. Eu disse – “Vamos fuder a bastilha, baby!”. Depois peguei um ônibus e logo estava no Campo Grande já arrependido de ter deixado meu sofá para trás.


quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Salto No Escuro



Um belo poema de Ângelo Monteiro



Para o salto que anelo a vida é tanta
Que não conto no tempo o seu pulsar:
Pois o vento proclama o jogo errante
Com as flores e as nuvens ao passar.
 

No arremesso da corda para o salto
Pouco interessa aonde vá cair:
Se no mar ou no escuro firmamento
As estrelas e as ondas são porvir.
 

Digam o que disserem, a beleza
É inteligente e por isso não cansa:
E no jogo com ela só quem perde
É quem por medo foge e não avança.

terça-feira, 29 de outubro de 2013

Boas Bestas







Quero te assustar: dar a cara ao teu soco,
beijar teu rosto, beber teu suor,
amar teu ódio.
E, se um dia o tempo pesar,
estaremos juntos,
embrigados de um apetite
voraz, só então
Faremos a revolução.

The Dying Heart



“Time drops in decay,
Like a candle burnt out”
(Willian Butler Yeats)

 
Este coração que sangra agora,
Já não sangra por amor ou glória,
É o sangrar da enfermidade:
A Agonia da liberdade
No peito de quem chora.

sábado, 10 de agosto de 2013

O Ópio dos Intelectuais

"Em rigor, o ateísmo acredita que sabe, mas não sabe que acredita"


 

Por João Carlos Espada


Uma ‘nova’ moda percorre a Europa: a moda do ateísmo militante. Na inevitável França, multidões assistem às palestras do novo «philosophe» de serviço: Michel Onfray, autor de ‘Traité d’athéologie’, um «best-seller» entre os nativos, bem como em Espanha e Itália. A sua ‘Universidade Popular de Caen’, onde não há exames nem diplomas(sic), mas existe o inevitável subsídio do governo local, fiéis atentos disputam lugares nos auditórios. A doutrina oficial chama-se aí ‘hedonismo ético’.

quarta-feira, 31 de julho de 2013

NUMA ESPERANÇA QUE RESULTOU VÃ



Um maravilhoso poema do Frei Luis de León



Foge, felicidade, de meu peito;

que engano te remete novamente
à fúria de um passado sem proveito?



Guarda memória do tempo inclemente, 
quando aos olhos do povo, desterrada, 
foste acusada repentinamente.


quinta-feira, 11 de julho de 2013

A esquerda e os mitos difamatórios



Por Olavo de Carvalho


No show de ignorância dado à Folha de S. Paulo,  em entrevista, pelos líderes da FLIP (Festa Literária Internacional de Paraty), recém encerrada, a estrela maior foi sem dúvida o sr. Milton Hatoum, que, incapaz de lembrar o nome de um só escritor brasileiro importante, que fosse de direita, ainda completou a performance com esta maravilha: "Diziam que Nelson Rodrigues era, mas discordo. Era provocador, irônico, e na ditadura lutou para libertar presos."
 

terça-feira, 25 de junho de 2013

VICO VIVO




A ESTÁTUA do filósofo Giambattista Vico ergue-se na Villa  Nazionale, o parque municipal de Nápoles. Perto do mar, a figura de pedra, corroída pelo tempo, olha o panorama do Posilippo, da ilha de Capri, do Vesúvio, ao pé do qual a cidade submergida de Pompéia dorme: paisagem essencialmente histórica, onde os gregos, os romanos, os longobardos, os árabes, os alemães, os franceses, os espanhóis deixaram os seus traços; paisagem que sonha com o passado, e com um futuro incerto. Como a história, também aquela estátua, na penumbra das árvores velhíssimas, parece insensível aos sofrimentos e sonhos humanos; contempla com o olhar frio de pedra as crianças inocentes que brincam ao pé do monumento, que não sabem quem foi aquele que lhes traçou, a elas também, os implacáveis destinos futuros.

Como sabem morrer as mulheres na ópera!

Morte de Electra na ópera "Idomeneo", de Mozart:



Morte de Abigaile na ópera "Nabucco", de Verdi:

quarta-feira, 19 de junho de 2013

Badou às Portas Do Inferno


(ou Epitáfio Para A Esperança)

Cá está Badou, com o vento a soprar-lhe os cabelos.
Um homem cuja solidão violou o sacro tempo,
A quem a loucura tornou um deus de areia.

Sobrevivo ainda, é verdade: até quando?
Reconheço as desventuras, a vontade deles.
Sou Ulysses contra a fúria de um mar cor de vinho.

Minha odisseia urbana, meu tempo perdido:
Ando como um escravo que canta ao pensamento
O coro dos vencidos, suspiros pela pátria usurpada.

Poderá alguém dizer: “acaso deliras?”
Mas, no subsolo, Badou constrói sua torre de marfim,
Brada aos quatro ventos a mediocridade da raça.

O “território livre” se encontra com o Construtivismo na Terra do Nunca




Desde que ingressei na Faculdade de Direito do Largo São Francisco, em 1992, intriga-me ouvir que a USP e, por conseguinte, o Largo, constitui território livre. Sempre tentei compreender o que essa liberdade significaria.

Textos de Nelson Rodrigues






A Multidão Afrodisíaca

Uma Banana Como Merenda

As Gêmeas

A Vaca Premiada

A Feia Nudez

Era Bonito Ser Histérica

O Ex-Covarde

A MULTIDÃO AFRODISÍACA

Por Nelson Rodrigues



Nunca me esqueço de uma conversa que tive, há tempos, com o Plínio Marcos, o autor mais representado do Brasil. Hoje, é difícil, senão impossível, descobrir um teatro que não tenha o seu nome, na frente, como uma manchete. Mas eis o que me disse o Plínio Marcos: — “Eu queria representar no Maracanã, para 200 mil pessoas!”.


terça-feira, 11 de junho de 2013

Badou às portas do paraíso





"As palavras do poeta volteiam incessantemente em redor das portas do paraíso e batem implorando a imortalidade."
Goethe

No caos em que choro
Meus deuses de outrora.
Ao distante céu imploro,
Rogo àquela musa ignara
Que pelos ares abandone
Um ou outro verso infame
Que faça, em Badou, o milagre
De enterrar a poesia certa,
Ainda que ele nunca espere
A porta do paraíso aberta.

Tempo tríbio: de Burke a Gilberto Freyre











Por Thiago Moraes

Um dos maiores problemas que encontramos no quadro institucional de nosso país é a falta de compromisso dos políticos com as idéias que dizem defender, de modo que ao se votar num socialista muitas vezes estamos escolhendo apenas mais um exemplar do velho coronelismo e ao se votar num liberal apostamos num defensor de todas as formas de mal corporativismo. Para quem é católico isso até acarreta uma complicação extra, pois para seguir os ensinamentos da Igreja em matéria política se fica dependendo de uma reflexão sobre o que as coisas são na realidade, já que não é prudente fazer uma aplicação direta baseada em rótulos.

segunda-feira, 10 de junho de 2013

Eles, os medíocres




Quem, calado, abomina
Os fazeres do homem
Medíocre que parte para
A luta e leva no rosto
A poeira do chão,
Sabe o que é
Ser maior de espírito
Contra míseros corvos
Que usurpam eternidade.
Badou percorreu casas,
Adentrou mulheres,
Violou virgens pelos quatro
Cantos da vida eterna:
Amém!

domingo, 9 de junho de 2013

O Inferno Lírico de Badou Sarcass X


Eu, Badou Sarcass, anarquicamente único,
Religiosamente ateu...
Vivo como se estivesse às vésperas da morte,
Ou talvez, da vida plena.
Eu, amante do demônio,
No qual não acredito nem um pouco.

quarta-feira, 3 de abril de 2013

Oscar, o stalinista



Certa vez, numa entrevista concedida à revista “Playboy”, Gilberto Freyre - autor de “Casa Grande & Senzala”, o livro clássico que revelou a importância do negro na formação histórica da sociedade brasileira - incluiu o arquiteto Oscar Niemeyer na sua lista de sujeitos proeminentes que considerava burro. Aliás, mais do que burro, o mestre de Apipucos o tinha na conta de sujeito chato e muito ignorante, um tipo de pessoa com a qual seria sempre difícil manter-se uma conversa interessante. (Ah, agora me lembro: a entrevista foi concedida ao jornalista Ricardo Noblat, então repórter da Veja, ou coisa assim, no início dos anos 80).

quinta-feira, 21 de março de 2013

Momento


Um poema de Hélio Pellegrino 


Oh! A resignação das coisas paradas, 
grávidas de silêncio, reverentes, 
em sua geometria sem jactância! 

A placidez das ruas acolchoadas
contra a dura cintilação do dia; 
o recato das árvores, a prece 
das esquadrias de alumínio ionizado 
na fachada do edifício em frente! 

Todas as coisas - em clausura - cumprem votos, 
enquanto a vã filosofia do século 
pensa que move o mundo.

segunda-feira, 18 de março de 2013

O mal na obra de Lars von Trier






Quem quiser se divertir no cinema não vá ver os filmes de Lars von Trier. Mas quem quiser discutir antropologia filosófica e a questão do mal no mundo é lá que deve ir. A coragem artística do diretor norueguês não tem limite. Sua habilidade com a câmara é digna de um Kubrick. Penso que ele fez (faz) a mais correta e completa crônica de nossos tempos, a fisiologia da alma nesse maldito século XXI. Não por acaso nos filmes a questão psicológica (e psiquiátrica) tem relevo. Psiquiatria: ciência da alma.

segunda-feira, 4 de março de 2013

Uma Banana Como Merenda




Eu e o Hélio Pellegrino temos um amigo que é o que se chama um erudito. E o pior é que se trata de um caso recente e diria mesmo de fulminante erudição. A princípio suspeitei de uma deslavada escroqueria intelectual. E aqui começa o mistério que desafia todo o meu raciocínio e toda a minha intuição. Do dia para a noite o semi-analfabeto aprendeu não sei quantos idiomas. 

Já não digo francês, que todos falam, menos eu. Não. O rapaz declamava Goethe em puríssimo alemão. E, certa noite, passei pelo seu quarto, na praça Onze (ele mora no alto, junto à clarabóia, como no tempo de Paulo de Koch). Entro e o surpreendo, no meio de três ou quatro, em pé, recitando o padre-nosso em grego. Saí dali e fui ligar para o Hélio Pellegrino. Disse-lhe, sinceramente esmagado: — “Hélio, nós somos dois analfabetos!”. 

Eu e o Hélio, cada vez mais inferiorizados, temos seguido pelos jornais a carreira de tão vasta e súbita erudição. E eu fico a resmungar, na irritação da minha impotência: “Como sabe! Como lê! Como cita!”. Até que, de repente, baixou-me uma luz e descobri toda a fragilidade daquela monstruosa estrutura. Aquilo era uma catedral de pauzinhos de fósforos, sim, um gótico de palitos. 

Certa manhã, fui para a máquina e bati minha primeira carta anônima. Se bem me lembro, dizia mais ou menos o seguinte: — “Leia pouco, pelo amor de Deus, leia pouco!”. E assim, nesse tom de salubérrimo descaro, fui dizendo tudo. Aconselhei-o a voltar ao Dumas pai, a Ponson Du Terrail, a Michel Zevaco, Eugène Sue e outros folhetinistas de boa cepa. Acabei a carta, enfiei-a no envelope e tive a desfaçatez de mandá-la registrada. 

Agora, a revelação: — em que pese o evidente traço caricatural, não estou longe de pensar assim. Por tudo que sei da vida, dos homens, deve-se ler pouco e reler muito. A arte da leitura é a da releitura. Há uns poucos livros totais, uns três ou quatro, que nos salvam ou que nos perdem. É preciso relê-los, sempre e sempre, com obtusa pertinácia. E, no entanto, o leitor se desgasta, se esvai, em milhares de livros mais áridos do que três desertos. 

Certa vez, um erudito resolveu fazer ironia comigo. Perguntou-me: “O que é que você leu?”. Respondi: “Dostoievski”. Ele queria me atirar na cara os seus quarenta mil volumes. Insistiu: “Que mais?”. E eu: “Dostoievski”. Teimou: “Só?”. Repeti: “Dostoievski”. O sujeito, aturdido pelos seus quarenta mil volumes, não entendeu nada. Mas eis o que eu queria dizer: pode-se viver para um único livro de Dostoievski. Ou uma única peça de Shakespeare. Ou um único poema não sei de quem. O mesmo livro é um na véspera e outro no dia seguinte. Pode haver um tédio na primeira leitura. Nada, porém, mais denso, mais fascinante, mais novo, mais abismal do que a releitura. 

(Divaguei demais e desculpem.) De Dostoievski passo à minha infância. Há bastante de Dostoievski, bastante de Dickens, na rua Alegre, em Aldeia Campista. Não será a pura semelhança episódica, Não. É uma semelhança, digamos assim, de atmosfera. Sinto que parte de minha infância está inserida, difusa, volatilizada em certas páginas de Dickens ou Dostoievski. Por exemplo: — eu poderia fazer, com minha passagem pela escola pública, uma antologia de humilhações. (Está comigo, enterrado em
mim, um perene menino humilhado.) 

A escola era bem na esquina da rua Alegre com Maxwell. (Quando Lili morreu, eu achava absurda a vida sem Lili. Lembro-me de que, depois do enterro, eu mudava de calçada para não passar pela sua porta.) Comecei a sofrer no recreio. Já disse que levava para a escola, como merenda, uma imutável banana. No primeiro dia, bateu a sineta do recreio e lá fui eu. O pátio se inundou de meninos e meninas. Apanhei a banana e, sem pressa, comecei a descascá-la. Fazia isso meio solene, como se descascar banana exigisse uma técnica, uma arte, não sei que virtuosismo. 

Descascada a banana, eu não a mastigava imediatamente. Não. Com delicada paciência, punha-me a chupá-la, como hoje se faz com o Chicabon. E, ao mesmo tempo, olhava para os outros meninos. Não sei por que, o fato é que, no primeiro e segundo dias de escola, tive orgulho, vaidade da banana. Olhava para os garotos, como se dissesse: “Eu tenho uma banana. Estou comendo uma banana”. Mas já o primeiro dia deu-me para perceber que havia toda uma fauna de merendas prodigiosas. 

Lembro-me de que uma das minhas invejas mortais foi um garoto, já taludo. (Eu era miúdo e tinha vergonha da minha cabeça grande.) Trouxe a merenda embrulhada em papel de pão e amarrada com barbante. Desfez o nó do barbante e abriu o papel: — então, eu a vi. Era um sanduíche de pão com ovo. Pão com ovo. O menino pôs-se a comer. A gema escorria-lhe da boca como uma baba amarela. E outros garotos e garotas levavam sanduíches de goiabada, de queijo, de bife; havia uma menina que levava biscoitos numa latinha. 

No terceiro dia, comecei a ter vergonha da banana. Fosse prata, ou maçã, mas era banana. Nasceu em mim, então, a utopia do sanduíche de ovo. Se eu levasse um, havia de comê-lo no meio do recreio, com todos olhando; e deixaria a gema escorrer pelo queixo. Ao mesmo tempo que me envergonhava da banana, tinha-lhe pena. Pena da banana. De vez em quando, faltava dinheiro em casa. Banana custava um vintém. E eu ia para a escola sem merenda. Na hora do recreio, rodava pelo pátio, errante e perdido de fome. 

Já contei o episódio das orelhas sujas. Mas não foi só. De vez em quando a professora me apontava como um exemplo: — “Não quero menino sujo na minha classe. Já basta o Nelson”. As meninas me olhavam e eu tinha de novo o sentimento de nudez pública. Até que, um dia, estava eu no meu banco, que era o último (eu me sentava embaixo de uma janela). E, de repente, ouço a voz da professora: — “Menino, não coça a cabeça!”. Eu devia estar entretido no meu sonho. A professora bate com a régua na mesa: — “Nelson! Não está me ouvindo? Levante-se! De castigo, já! Ali, fica ali! Aí!”.

 Saí eu, lá do fundo, assombrado, e vim atravessando toda a classe. Dizia, chorando: — “Eu não ouvi a senhora me chamar!”. E ela: — “Menino insubordinado!”. Estou de frente para o quadro-negro, de costas para a classe. E ela: — “Vira, vira! Fica de frente!”. Estou cara a cara com os outros. Ela ainda continua: “Parece que tem o bicho carpinteiro, esse menino!”. E, súbito, muda de tom. Pergunta: — “Por que é que você coça tanto a cabeça? Vem cá. Chega aqui. Pode vir”. Eu me chego. Ela está dizendo, quase doce: — “Está com medo? Eu não vou te fazer nada, Nelson. Vem, meu filho!”. E completa, rápida, cortante: — “Quero só examinar tua cabeça”. Paro: — “Não, não!”. Mas ela vem me buscar; sou arrastado: — “Fica quieto, fica quieto!”. Imobiliza a minha cabeça. Sinto seus dedos enfiados nos meus cabelos. E, de repente, o berro: — “Não disse?”. Vira-se para a classe: — “Eu sabia! Eu sabia! Tem piolhos, lêndeas!”. Levou-me para a sala da diretora: — “Esse menino não pode ficar com os outros! Pega piolho nos outros!”. A diretora, de óculos e papada, fez uma boquinha de nojo. Depois da aula, levei para casa um bilhete da professora. E mudei de calçada para não passar pela porta de Lili.

(15/12/1967)  No livro "O óbvio ululante"

quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

O mito da raça


Lei, seca lei


Por Valter Heller Dani

As leis sempre existiram para frear aqueles indivíduos com a bússola moral defeituosa. Para o cidadão moralmente são, as leis são inúteis, pois ele viveria normalmente sem elas e sem tampouco prejudicar ninguém.


Urge na atualidade a necessidade de se resolver problemas nevrálgicos com medidas contundentes de curto prazo, o que, à primeira vista, parece perfeitamente revestido de lógica. O que passa despercebido, como sempre nessas tentativas, é que, em alguns casos, essas medidas contundentes acabam por atingir aqueles que não precisavam ser atingidos e deixam escapar aqueles que deveriam.


A quantia enorme de mortes no trânsito a cada ano levou os brasileiros a aceitar de forma passiva leis abusivas que, à primeira vista, parecem ter vindo para diminuir o problema em foco, mas na verdade só servem para diminuir ainda mais as liberdades individuais e pouco, muito pouco resolvem aquilo que deveriam resolver. O álcool não é, de forma nenhuma, o maior responsável por esse Vietnã anual das estradas brasileiras. Os verdadeiros responsáveis são a imprudência, a negligência, e a imperícia. A combinação destes fatores, sim, é assassina. Mas, quando num caso de grande repercussão é constatada a presença do fator álcool, isso rapidamente se aplica a todos os milhares de ocorrências como se fizesse parte específica de cada uma. 

Aparvalhados com esses dados, os cidadãos passam a achar certo que lhe restrinjam ainda mais nos seus direitos individuais, dos quais constam dirigir sem ser parado e não ser obrigado a fazer testes sem ter dado motivo algum.


O aumento das mortes no trânsito nesse feriado de Natal em relação a 2011 foi grande em todo Brasil. Só no Sul 28 mortes (http://www.clicrbs.com.br/pioneiro/rs/impressa/11,3992216,499,21072,impressa.html) sendo que não se flagrou um caso sequer de alcoolemia nos motoristas envolvidos. Ao mesmo tempo, uma verdadeira enxurrada de motoristas que estavam conduzindo seus veículos de forma segura, são autuados todos os dias por uma ingerência mínima de álcool.


Acima do Equador, onde estão as nações que gostamos de denominar como ‘primeiro mundo’, há muito tempo que álcool e direção, combinação que pode causar danos a terceiros, são combatidos pelos governos sem leis que proíbem a ingestão de álcool de forma tão radical como a adotada aqui. Decididamente não há por lá a perseguição de todos os motoristas de forma geral e sem exceções. Ora, por que um motorista que dirige dentro das normas atuais regidas pelo Código Nacional de Trânsito, com seu veículo, bem como sua documentação pessoal, em dia, deve ser obrigado a fazer o teste de alcoolemia? Existem testes de natureza extremamente simples que podem constatar se o motorista tem as condições motoras e cognitivas necessárias para guiar. Por que não aplicar esses testes?


As forças de segurança deveriam direcionar seus recursos logísticos para identificar o motorista embriagado, aquele que dirige em zigue-zague, atropela, etc., que ao ser interpelado por um agente, não consegue concatenar uma frase com sentido lógico. Sobre esse deve-se fazer pesar a dureza da lei, não ao motorista que retorna para casa após ter jantado com a família e ingerido uma quantidade de álcool que nem de longe pode fazê-lo entrar no rol de motoristas irresponsáveis e que, como gostam de rotular os juristas, estão em “dolo eventual”, uma vez que assumiram o risco de matar alguém. Ora, quem após ingerir duas taças de vinho ou uma cerveja, estará pondo a vida de terceiros em risco? É de uma arbitrariedade ímpar tratar um motorista que ingeriu uma quantidade civilizada de álcool como um perigoso risco à sociedade. Esse motorista está fadado a sofrer uma sanção a partir do momento em que for parado por um fiscal de trânsito, não há escapatória. Se fizer o teste e for constatado que ingeriu, mesmo que muito pouco álcool, ficando dentro dos limites aceitáveis em qualquer parte do hemisfério norte, vai ter a carteira apreendida, pagará multa e responderá um processo administrativo. Se por acaso recusar-se a fazer o teste vai ter a carteira igualmente apreendida, pagará multa e responderá a processo. Não há distinção no tratamento. Ou será tratado como um bêbado perigoso, ou será tratado como um bêbado perigoso que não quer fazer o teste.


A partir de agora, o agente da lei terá o poder de decidir, através de um exame visual e quem sabe até através daqueles testes que já são aplicados há décadas nos EUA, se o condutor está ou não alcoolizado. Isso é ótimo. É uma boa maneira de driblar a negativa dos motoristas realmente bêbados em fazer o teste. Nada de errado nisso. Mas por que o agente de trânsito não pode usar esse mesmo discernimento, o que o faz constatar que o indivíduo não tem condições de dirigir, para chegar à conclusão de que um motorista que até tenha bebido um pouco, tem plenas condições de chegar em casa sem botar a vida de ninguém em risco? O mesmo poder que serve para declarar que um motorista não tem condições de dirigir, obrigatoriamente tem que servir para atestar que um motorista que embora tenha ingerido alguma quantidade de álcool, pode dirigir, pois não demonstra estar com suas habilidades comprometidas.                                                   

O bêbado irresponsável e perigoso, aquele para qual as leis foram feitas e que nunca irá respeitá-las mesmo assim, justamente por ter a formação moral degenerada, é conduzido a uma delegacia onde faz o famoso teste do bafômetro que afere quantias estratosféricas de álcool, em seguida paga uma fiança miserável e é prontamente liberado. Alguma coisa está errada na estrutura e na aplicação dessa lei, que trata igualmente os desiguais. Acaba se tornando uma lei seca, seca de conteúdo, seca daquilo que mais se espera em qualquer pena que seja aplicada: a proporcionalidade.  

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